Já ouviu
falar de Kiritimati?
É um atol
no meio do oceano
Pacífico,
também
conhecido como
Ilhas Christmas
(não confundir
com a ilha de
mesmo nome no
oceano Índico),
e faz parte da
República
do Kiribati,
2 mil km ao sul
do Havaí.
É o maior
atol coralino
do mundo, com
640 km²
. Os ingleses
fizeram testes
nucleares lá
no fim dos anos
50 e os americanos
fizeram em 1962
(mas não
encontrei nenhuma
concha fosforescente)
Em sua língua
local, Gilbertês,
a sílaba
"ti"
soa como "ss"
então
Kiritimati vira
Kirissmass =
Christmas! É
o primeiro local
no mundo onde
o sol nasce primeiro
em cada dia,
e está
na mesma longitude
que o Havai -
só que
lá o horário
é do dia
anterior. Quando
saí de
Honolulu era
terça-feira
à tarde
e após
3 horas cheguei
em Kiritimati
na quarta-feira
do dia seguinte,
perdi um dia.
Na volta saí
de Kiritimati
em uma quarta-feira
de manhã
e cheguei em
Honolulu no dia
anterior, terça-feira
- viagem no tempo!
Por que escolhi
Kiribati? Me
pareceu um local
interessante
já que
há poucas
conchas vindas
de lá
estão
em coleções
particulares
(você tem
alguma?). Também
estranhei o fato
de Bunnie Cook
nunca ter ido
coletar lá,
sendo que ela
viajou o mundo
todo e Kiribati
fica relativamente
perto de Honolulu.
Para chegar lá
há a opção
de sair de Fiji
ou de Honolulu,
voos operados
pela Air Pacific
chegando somente
às quartas-feiras.
A maior parte
(se não
o total) dos
turistas vão
para pescar nas
lagoas internas.
Quando procurei
informações
sobre viagens
para lá,
encontrei sites
especializados
em pacotes de
pesca. Na descrição
da ilha há
uma seção
de dicas onde
se lê "Coisas
para se fazer
na ilha caso
não vá
pescar: nada,
nem vá".
Bom, eu era certamente
o único
do avião
que não
carregava equipamento
de pesca.
O primeiro passo
antes de viajar
foi conseguir
uma autorização
para coletar
conchas - sempre
um processo burocrático
e demorado, mas
finalmente consegui.
O voo de Honolulu
levou três
hora e chegamos
ao aeroporto
Internacional
de Cassidy. Acho
que meu escritório
é maior
que o aeroporto...
No mesmo voo
vieram alguns
latino-americanos
e eu reconheci
o sotaque - eram
equatorianos
recrutados por
barcos de pesca
de atum que ancoram
na ilha para
abastecer.
Depois de passar
pela alfândega
(e ganhando um
carimbo novo
no passaporte)
saí para
procurar o transporte
do Hotel Captain
Cook. Havia uma
"van"
esperando, com
dois turistas
americanos que
estavam de visita
para... pescar,
claro. A "van"
na realidade
era uma caminhonete
adaptada para
carregar passageiros
na caçamba.
A economia da
ilha é
baseada em exportação
de "copra",
polpa de coco
desidratada,
tem aproximadamente
9 mil habitantes,
as estradas são
meio antigas
e esburacadas
(bom, só
tem uma estrada).
Levamos alguns
minutos para
chegar ao hotel,
que era de frente
para a praia
(claro, onde
mais ficaria
em um atol?).
Eu cheguei e
nem estava muito
preocupado em
olhar o quarto,
fui direto olhar
a praia. Não
era o lugar mais
adequado para
fazer snorkel,
com as ondas
arrebentando
na praia.
O quarto era
razoavelmente
bom, duas camas,
tudo limpo, com
uma pequena geladeira
e ar condicionado.
A única
coisa que não
me agradou muito
foi que não
tinha água
quente - sim,
gosto de tomar
banho quente
mesmo em locais
quentes - tente
fazer snorkel
por 5 ou 6 horas
e depois tomar
um banho gelado!
Mas tudo bem,
estava ansioso
demais para esquentar
a cabeça.
Apesar de tudo
estar limpo,
eu sempre gosto
de usar inseticida
no quarto, um
tipo que é
colocado no meio
do ambiente e
assim que o lacre
é quebrado
todo o conteúdo
é espirrado.
Basta deixar
o quarto fechado
por duas horas
que estará
dedetizado por
meses contra
baratas e outros
insetos rasteiros.
Após me
instalar já
estava na hora
do jantar, então
fui me encontrar
com "todos"
os outros três
hóspedes
do hotel. John
(que organiza
viagens de pesca),
Bill e Craig
(os dois americanos
que chegaram
comigo no avião)
e Kent, um médico
voluntário
que todos os
anos vem à
ilha para ajudar
na clinica local.
Eu não
estava esperando
comer fartas
refeições
(só tem
o restaurante
do hotel, mais
nada perto) e
seria uma boa
oportunidade
de perder algum
peso. Me enganei
de longe, a comida
era muito boa
e não
perdi um grama.
Ao conversar
com meus novos
amigos, aproveitei
para aprender
algumas dicas
para me virar
na ilha. Eu precisava
ir para a capital,
Londres, para
mergulhar (nunca
pensei em escrever
essa frase) e
não fazia
idéia
de como chegar
lá, já
que o único
carro de aluguel
do hotel já
estava ocupado.
Eles tem um ônibus
na ilha, mas
me disseram que
não dava
para confiar
nos horários
e eu poderia
ficar esperando
por horas. Então
Kent ofereceu
uma carona no
carro da clínica
que viria busca-lo
na manhã
seguinte. Eu
também
queria tentar
ir mergulhar
em Paris, mas
as estradas estavam
inundadas e seria
difícil
passar - pois
é, além
de Londres tem
Paris (com uma
estrada que liga
as duas!), Polônia
e Tennessee (vai
entender essa
última).
Na manhã
seguinte o motorista
veio nos buscar.
Já que
a ilha havia
sido colonizada
por ingleses,
eles usam o lado
esquerdo da estrada
- na realidade
não usam
lado nenhum,
só ficam
desviando dos
buracos. Perguntei
ao motorista
qual era a distância
do hotel até
Londres, ao que
me respondeu
"30 minutos".
Eu insisti, mas
quantos quilômetros?
"Eu só
sei por tempo".
Eu olhei no Google
Maps e vi que
era mais ou menos
20km.
Ao chegar na
clínica,
o Ken me deixou
usar o toalete
para me trocar
e deixar minhas
coisas enquanto
estivesse mergulhando.
Como a companhia
aérea
me deu um limite
ridículo
de peso para
carregar, não
pude trazer nem
poucas peças
de lastro comigo.
Eu levei um cinto
de lona com zíper,
que é
para ser usado
com saquinhos
de chumbo granulado,
e coloquei no
lugar sacos zip
cheios de areia
e pedrinhas da
praia (sim, sou
um gênio
modesto). A água
estava meio turva
e o fundo era
de areia com
poucos lugares
com pequenas
pedras e algas.
Os únicos
lugares que conchas
e outros animais
poderiam se esconder
seriam aglomerados
de cabos elétricos
antigos e uma
tubulação
de óleo
abandonada, toda
destruída.
Meio frustrante,
poucas conchas,
tipo Cypraea
moneta, Conus
pulicarius e
lividus, Terebra
maculata, Nerita
plicata e algumas
espécies
pequenas. E sem
sinal de tubarões,
apesar dos alertas
dos habitantes
locais antes
de eu entrar
na água.
Depois de cinco
horas mergulhando
voltei para a
clínica
para pegar uma
carona para o
hotel.
Perguntei ao
Ken se ele sabia
porque não
haviam corais
em Londres, já
que era bem perto
da abertura do
atol, ele disse
que os ingleses
dragaram o interior
para facilitar
a entrada de
navios e isso
destruiu tudo,
o lugar nunca
se recuperou.
O único
lugar que estava
preservado era
uma pequena ilha
na entrada do
atol, Ilha Cook,
mas é
um santuário.
No lado oposto
de Londres fica
Paris - e pelo
que vi nas imagens
do satélite
seria a mesma
coisa que Londres
(também
nunca pensei
em escrever que
Londres é
igual a Paris),
então
a alternativa
seria mergulhar
em frente ao
hotel.
Levantei cedo
e fui caminhar
na praia para
checar se haviam
conchas interessantes
na areia, e procurar
um local adequado
para mergulhar.
Ouvi dizer que
no passado foram
encontrados exemplares
mortos do raro
Conus adamsoni.
Uma mulher local
estava se aproximando
com uma sacola
plástica
nas mãos.
Ela me perguntou
o que eu estava
fazendo, e ao
explicar que
estava procurando
conchas, me mostrou
o que estava
no saco: um monte
de conchas fantásticas,
incluindo alguns
Conus adamsoni
frescos! Eu estava
tão excitado
que não
podia acreditar
naquilo - até
eu olhar novamente
para ela e perceber
que havia se
tornado a Gisele
Bundchen....então
eu acordei sem
nada, droga!
Na vida real,
andei dois quilometros
até chegar
a um local onde
a faixa entre
a arrebentação
e a praia era
um pouco mais
larga e as ondas
não pareciam
ser tão
fortes. Foi difícil
caminhar na areia
fofa com pedaços
de coral, carregando
todo o equipamento.
Encontrei um
espaço
entre a vegetação
onde poderia
me trocar e deixar
minha roupa seca,
a água
e uns biscoitos
que levei (meu
almoço).
Na realidade
poderia deixar
no meio da praia,
já que
não havia
uma viva alma
em toda a praia,
provavelmente
em todo aquele
lado do atol.
E eu com certeza
seria a única
pessoa mergulhando,
de acordo com
o que a atendente
do hotel me perguntou
antes de eu sair
"você
vai mergulhar
lá com
todos aqueles
tubarões?".
Eu não
tive problemas
com tubarões,
mas em compensação
com as ondas
e a correnteza
foram terríveis.
Provavelmente
foi um dos mergulhos
mais difíceis
que já
mergulhei - e
o motivo de a
Bunnie Cook nunca
ter vindo coletar
aqui mesmo sendo
tão perto
do Havaí.
Eu tinha que
agarrar firmemente
alguma coisa,
pedra, coral
ou enfiar minha
faca no chão
para poder ficar
no lugar e não
ser carregado
para longe. Até
os peixes tinham
que lutar contra
a correnteza.
Pelo menos encontrei
muito mais conchas,
e havia um fundo
tropical com
corais e peixes
coloridos. Achei
Cypraea depressa,
poraria, moneta
(grandes), alguns
Conus, Thais
armigera grande,
alguns raros
Latirus amplustre,
Bursa bufonia
e várias
espécies
pequenas. Vi
diversas Tridacnas
coloridas - que
obviamente só
tirei fotos.
Aliás,
até para
tirar fotos era
difícil
já que
eu não
podia largar
minha "ancoragem"
por muito tempo.
Claro que tirei
fotos, mas ralei
a câmera
inteira.
Como a Lei de
Murphy manda,
as melhores conchas
ficavam perto
da arrebentação,
onde as ondas
eram grandes
e a correnteza
incrivelmente
forte. Em um
momento quase
que a máscara
saiu de meu rosto
- e ainda bem
que decidi usar
minha roupa de
neoprene de 1mm
ao invés
da roupa de mergulho
de tecido. Uma
onda me jogou
contra os corais
e quase rasgou
o neoprene. Se
fosse a de tecido
teria rasgado
minha perna ao
invés
do neoprene e
digamos que não
seria uma boa
coisa de acontecer
sendo que eu
havia visto alguns
tubarões
na parte mais
funda. Pelo menos
encontrei uns
Turbo argyrostomus
grandes, Cypraea
caputserpentis
(só encontrei
lá), Cypraea
depressa escuras
e outras conchas.
Eu cheguei a
me aproximar
mais da parte
mais funda, mas
a corrente piorava
mais e eu não
estava muito
a fim de voltar
para Honolulu
pelo mar.
Depois de 6 horas
mergulhando eu
saí, muito
mais satisfeito
que no dia anterior.
Mas precisava
encontrar alternativas
para os dias
seguintes. Ao
chegar ao hotel
no entardecer,
antes de entrar
no quarto eu
sentei na praia
para apreciar
o por do sol
- fiz isso todos
os dias da viagem.
Esta mudança
de rotina é
o que abastece
meu espírito,
sair de uma cidade
de mais de vinte
milhões
de habitantes
para uma praia
deserta! Me esforço
para manter aqueles
momentos na memória
para relembrar
em dias estressantes
no escritório,
ou quem sabe
me teletransportar
de volta quando
tiver superpoderes
no futuro. Posso
nunca ficar rico
vendendo conchas,
mas a experiência
de vida, lugares
e pessoas que
conheço
em viagens compensam
quaisquer problemas
que possa ter.
E paraísos
como esse me
fazem apreciar
mais estar vivo.
Tomei um banho
rápido
e fui examinar
os meus achados.
Aí fui
jantar com o
pessoal - eles
também
estavam exaltantes
com o resultado
da pesca do dia.
Me explicaram
como funcionava
o esquema deles:
vão para
um local do atol
onde ficam com
água um
pouco acima dos
joelhos, cada
um paga por um
guia que fica
à frente
deles e os alerta
a direção
que devem jogar
o anzol, tipo
"10 metros
às 2 horas"
- se referindo
à direção
que devem arremessar.
Eles somente
podem tirar fotos
dos peixes, devem
cuidadosamente
retirar o anzol
e colocar o peixe
de volta na água,
tendo certeza
de que ele sairá
nadando. Após
a conversa o
jantar chegou,
sashimi de atum
fresco e lagostas!
No dia seguinte
fui caminhar
para o interior
do atol para
procurar terrestres,
em direção
à uma
lagoa pertencente
ao hotel chamada
Bathing Lagoon
(lagoa de banho).
No primeiro dia
eu havia passado
de carro por
lá com
o Kent, que foi
examinar algumas
colmeias de abelha
que ele estava
criando no local
- ele está
ensinando alguns
moradores a criar
abelhas para
produzir mel
comercialmente.
Eu sabia que
seria uma caminhada
longa, mais ou
menos 3km em
uma estrada deserta
de areia - me
disseram para
tomar cuidado
e não
me desviar do
caminho entrando
em um emaranhado
de estradas (todas
parecem iguais).
Mas como sou
muito esperto,
extremamente
inteligente e
com excelente
memória
(tudo mentira)
eu nem me preocupei
em olhar o mapa,
confiando que
lembraria o caminho
que fiz com o
Kent. A estrada
estava meio alagada
em alguns pontos
devido à
tempestade da
noite anterior,
mas dava para
passar à
pé. Não
encontrei nem
sinal de terrestres,
e percebi que
seria impossível
encontrar qualquer
coisa devido
à quantidade
de diversas espécies
de caranguejos
de terra, que
provavelmente
comeriam qualquer
coisa que encontrassem.
Continuei andando
em direção
à lagoa
de qualquer forma
- e é
claro que virei
para o lado errado
em um ponto,
me afastando
da lagoa ao invés
de chegar lá.
Antes que me
perdesse e virasse
um náufrago
perdido, voltei
para o caminho
principal e para
o hotel, e fui
mergulhar de
novo no mesmo
local do dia
anterior.
Tentei ir um
pouco mais distante
e achei outro
ponto que parecia
bom para arriscar
mergulhar. A
diferença
é que
o fundo não
tinha corais,
mas um tipo de
alga calcárea
cobrindo tudo.
Olhei mais de
perto e percebi
que o fundo era
na realidade
uma colônia
gigante de mariscos
cobertos pela
alga calcárea.
Depois de uns
minutos sem encontrar
nada - e com
a corrente ficando
forte, movi em
direção
ao local do dia
anterior e fiquei
por lá
umas quatro horas.
O hotel tem um
bloco principal
de quartos onde
ficam o lobby,
restaurante,
bar e sala de
TV, e vários
bangalôs
espalhados pela
propriedade.
Eu fiquei no
bloco principal,
mais fácil
para chegar ao
restaurante e
mais perto da
antena de wi-fi
da internet (sim,
e funcionava!).
Alguns dias na
volta do mergulho
eu ficava sentado
no lobby para
esperar até
que o pessoal
voltasse da pesca.
Uma tarde havia
um grupo de equatorianos
conversando e
tomando cervejas
- eu os cumprimentei
em espanhol e
eles ficaram
surpresos. Contei
que viajei diversas
vezes para o
Equador e me
convidaram para
tomar uns drinques
com eles. Eles
eram a tripulação
de um dos navios
pesqueiros de
atum e iriam
embarcar no dia
seguinte, para
ficar por dois
anos embarcados.
Vida bem dura,
me contaram que
o mar é
muito grosso
lá fora,
que as ondas
cobriam o barco
nos piores dias,
tipo aquele seriado
do canal Discovery,
Pesca Mortal.
E eu choramingando
que o mar estava
ruim para fazer
snorkel... depois
de tomar algumas
(muitas) fui
jantar com o
pessoal que havia
voltado da pesca
e fui dormir.
Ainda tinha dois
dias para coletar,
e a melhor opção
ainda era a praia
perto do hotel
- tentei ir para
a direção
oposta, mas o
mar era pior.
Também
cogitei em fazer
um mergulho noturno,
mas somando o
fato de que eu
me esgotava durante
o dia mais a
distância
que teria que
caminhar no escuro
total, eu acabei
desistindo -
acho que estou
ficando velho...
Vi várias
espécies
roladas na praia
que não
encontrei mergulhando
- com certeza
vinham detrás
do recife de
fora. Para fazer
uma coleta apropriada
eu teria que
alugar um barco
com tanques de
mergulho (seria
bom se o Tony
McCleery não
tivesse vendido
seu veleiro),
e precisaria
ficar mais tempo,
uma semana só
não dá
para fazer nada.
O vôo de
volta para Honolulu
seria na manhã
de quarta-feira,
e o hotel nos
levaria ao aeroporto
3 horas antes
para que pudessem
revistar todas
as malas (procurando
o quê,
eu não
sei)
Posso dizer que
para coletar,
Kiritimati não
é para
fracos esperando
conforto em hotel
de luxo e mergulho
em lagoas paradisíacas.
Eu felizmente
consegui encontrar
algum material
interessante
- sem me arrebentar
(muito), e ainda
por cima coloquei
um alfinete novo
no mapa mundi
do escritório!