Trindade - 
                           não 
                           confunda com 
                           Trinidad e 
                           Tobago no 
                           Caribe - é 
                           uma pequena 
                           ilha com 13.5 
                           Km² localizada 
                           a 1.600 milhas 
                           náuticas 
                           do Rio de 
                           Janeiro (20°30'34.72"S 
                           29°19'34.17"E). 
                           É uma 
                           base da Marinha 
                           Brasileira 
                           com 60 marinheiros 
                           trabalhando 
                           no local em 
                           turnos de 
                           3 meses. A 
                           cada três 
                           meses metade 
                           é trocada 
                           e mantimentos 
                           levados para 
                           a ilha (o 
                           Supermercado 
                           local não 
                           é muito 
                           bom...). Tem 
                           duas formas 
                           de se chegar 
                           lá: 
                           ou com sua 
                           embarcação 
                           particular 
                           com permissão 
                           especial, 
                           ou com a Marinha. 
                           Para ir com 
                           a Marinha 
                           basta se inscrever 
                           em uma longa 
                           lista e esperar 
                           ser chamado. 
                           Nosso amigo 
                           Bernardo Linhares 
                           de Salvador 
                           recebeu um 
                           convite de 
                           seu amigo 
                           Almirante 
                           José 
                           Aratanha para 
                           ir na expedição 
                           seguinte – 
                           como ele não 
                           poderia ir, 
                           nos repassou 
                           o convite! 
                           Levamos outro 
                           amigo junto, 
                           o biólogo 
                           Fábio 
                           Costa.
                        Dirigimos 
                           de São 
                           Paulo para 
                           o Rio de Janeiro 
                           para passar 
                           a primeira 
                           noite a bordo 
                           do Navio Faroleiro 
                           Almirante 
                           Graça 
                           Aranha, com 
                           75 metros 
                           de comprimento 
                           e utilizado 
                           para fazer 
                           a manutenção 
                           da sinalização 
                           náutica 
                           na costa brasileira. 
                           Seria uma 
                           viagem bem 
                           longa, de 
                           três 
                           a cinco dias 
                           dependendo 
                           das condições 
                           meteorológicas 
                           e do mar.
                        Quando se 
                           embarca na 
                           condição 
                           de convidado 
                           em um navio 
                           da marinha, 
                           existem algumas 
                           regras a se 
                           seguir. Caso 
                           possua nível 
                           superior você 
                           pode ficar 
                           no alojamento 
                           próximo 
                           ao dos tripulantes 
                           superiores 
                           e fazer as 
                           refeições 
                           junto com 
                           eles. Caso 
                           contrário, 
                           você 
                           tem que ficar 
                           no alojamento 
                           dos outros 
                           tripulantes 
                           e fazer as 
                           refeições 
                           com eles. 
                           Não 
                           que a comida 
                           seja diferente, 
                           a mesma é 
                           servida a 
                           todos. Mas 
                           o alojamento 
                           não 
                           tem janelas 
                           e a ventilação 
                           é feita 
                           com pequenos 
                           ventiladores, 
                           as camas são 
                           bem próximas 
                           umas das outras, 
                           depois de 
                           deitar mal 
                           dá 
                           para se virar. 
                           Sem falar 
                           que fica na 
                           proa do navio 
                           – o 
                           lugar que 
                           mais balança. 
                           Lembra-se 
                           do filme Titanic, 
                           quando o personagem 
                           de Leonardo 
                           diCaprio abre 
                           os braços 
                           na ponta do 
                           navio? Pois 
                           é, 
                           neste caso 
                           a proa sobe 
                           e desce violentamente 
                           vários 
                           metros mesmo 
                           em mar calmo!
                        As refeições 
                           eram muito 
                           boas, nosso 
                           refeitório 
                           muito arrumado 
                           e tínhamos 
                           até 
                           mesmo um garçom 
                           nos servindo. 
                           Os marinheiros 
                           não 
                           tinham muito 
                           o que fazer 
                           após 
                           o segundo 
                           dia no mar 
                           – afinal, 
                           quantas vezes 
                           o deck pode 
                           ser lavado? 
                           E nós 
                           – bem, 
                           nossa rotina 
                           era assim: 
                           levantar cedo, 
                           tomar um Dramin 
                           com o café 
                           da manhã, 
                           conversar 
                           um pouco e 
                           voltar a deitar; 
                           Acordar para 
                           o almoço, 
                           tomar um Dramin, 
                           conversar 
                           um pouco e 
                           voltar a deitar; 
                           Acordar para 
                           o jantar, 
                           tomar um Dramin, 
                           conversar 
                           um pouco e 
                           voltar a deitar. 
                           Desta forma, 
                           todos nós 
                           – inclusive 
                           a tripulação 
                           – engordamos. 
                           Em uma das 
                           tentativas 
                           de ficar acordado 
                           pensamos em 
                           coletar espécies 
                           pelágicas 
                           (flutuantes) 
                           de conchas, 
                           como Cavolinidae 
                           e Janthinidae. 
                           Eu achei um 
                           balde velho 
                           de metal, 
                           tirei o fundo 
                           e prendi uma 
                           rede. Amarrei 
                           uma corda 
                           e perguntei 
                           ao marinheiro 
                           curioso qual 
                           era nossa 
                           velocidade 
                           – ao 
                           que ele respondeu 
                           10 nós. 
                           Fiz cara de 
                           entendido 
                           (que bulhufas 
                           eram 10 nós?!??!) 
                           e joguei o 
                           balde ao mar. 
                           Por sorte 
                           eu estava 
                           usando uma 
                           luva grossa 
                           – a 
                           corda correu 
                           velozmente 
                           por minhas 
                           mãos 
                           e prensou 
                           a luva no 
                           suporte de 
                           ancoragem! 
                           Senti como 
                           se tivesse 
                           jogado uma 
                           âncora 
                           pela janela 
                           de um carro 
                           andando a 
                           20km/h no 
                           asfalto. Foi 
                           difícil 
                           puxar o balde 
                           de volta – 
                           e quando chegou 
                           ele tinha 
                           virado uma 
                           pizza! Claro 
                           que não 
                           tinha nem 
                           sinal de conchas... 
                           Depois que 
                           verifiquei 
                           que todos 
                           meus dedos 
                           estão 
                           no lugar eu 
                           desisti e 
                           voltei para 
                           o quarto.
                        O mar esteve 
                           calmo a viagem 
                           toda (isso 
                           é, 
                           eu acho – 
                           dormi o tempo 
                           todo). Não 
                           tem como chegar 
                           próximo 
                           à terra 
                           em Trindade, 
                           o mar é 
                           muito agitado. 
                           Em nosso navio 
                           havia um helicóptero 
                           que transportaria 
                           os marinheiros 
                           e os mantimentos. 
                           Só 
                           depois descobrimos 
                           que isso era 
                           ruim – 
                           se não 
                           tivéssemos 
                           o helicóptero 
                           teríamos 
                           que usar uma 
                           balsa chamada 
                           Cabrita para 
                           fazer o percurso. 
                           Isso levaria 
                           até 
                           três 
                           dias versus 
                           12 horas com 
                           o helicóptero.
                        
                        Depois de 
                           três 
                           loooongos 
                           dias chegamos 
                           a Trindade. 
                           Somente ficaríamos 
                           uma noite 
                           no local, 
                           e nos instalamos 
                           na enfermaria 
                           – que 
                           era o único 
                           local vago. 
                           Como não 
                           é muito 
                           utilizada 
                           tivemos que 
                           fazer uma 
                           limpeza no 
                           pó 
                           e nas teias 
                           de aranha. 
                           Não 
                           sei se já 
                           contei, mas 
                           o José 
                           detesta aranhas...Bem, 
                           ele usou uma 
                           lata inteira 
                           de inseticida 
                           no banheiro 
                           para matar 
                           aranhas de 
                           um palmo de 
                           comprimento. 
                           Ele foi adentrando 
                           o banheiro 
                           e usando o 
                           spray – 
                           mas não 
                           percebeu que 
                           uma das aranhas 
                           da porta já 
                           estava morrendo 
                           e descendo 
                           pela teia, 
                           bem próxima 
                           às 
                           suas costas. 
                           Ele deu um 
                           pulo para 
                           trás 
                           quase aterrissando 
                           no colo de 
                           um dos marinheiros 
                           que estava 
                           se esborrachando 
                           de rir na 
                           porta!
                        A única 
                           forma de comunicação 
                           na ilha era 
                           por rádio 
                           – por 
                           voz ou código 
                           Morse (que 
                           era muito 
                           utilizado 
                           ainda). Um 
                           dos convidados 
                           pela marinha 
                           estava lá 
                           para mandar 
                           mensagens 
                           usando Código 
                           Morse (que 
                           coisa doida 
                           para se fazer, 
                           não? 
                           Bom, para 
                           eles nós 
                           também 
                           éramos 
                           doidos...). 
                           Hoje em dia 
                           eles tem uma 
                           cabine telefônica 
                           super disputada 
                           pelos habitantes. 
                           Celular, nem 
                           pensar (por 
                           que será, 
                           né?)
                        Ainda tínhamos 
                           um pouco de 
                           luz do dia 
                           então 
                           corremos para 
                           explorar os 
                           locais de 
                           coleta. Trindade 
                           é uma 
                           ilha vulcânica, 
                           com paisagens 
                           de tirar o 
                           fôlego. 
                           Formações 
                           geológicas 
                           com cores 
                           variando do 
                           negro ao laranja, 
                           passando por 
                           vermelho e 
                           amarelo. A 
                           flora também 
                           é única 
                           – das 
                           124 espécies 
                           de planta, 
                           11 são 
                           endêmicas. 
                           Uma das mais 
                           interessantes 
                           é a 
                           samambaia 
                           gigante (Cyathea 
                           delgadii) 
                           que vive na 
                           parte alta 
                           da ilha. Ali 
                           também 
                           se pode encontrar 
                           alguns descendentes 
                           de cabras 
                           introduzidas 
                           na expedição 
                           que trouxe 
                           o astrônomo 
                           inglês 
                           Edmond Halley 
                           em 1700. A 
                           única 
                           outra espécie 
                           de animal 
                           abundante 
                           na ilha é 
                           o caranguejo 
                           amarelo (Gecarcinus 
                           lagostoma)
                        O mar em torno 
                           da ilha é 
                           muito rico, 
                           várias 
                           espécies 
                           de tubarões, 
                           arraias e 
                           outros grandes 
                           cardumes de 
                           peixes podem 
                           ser encontrados 
                           o ano todo. 
                           O local também 
                           é o 
                           local de desova 
                           de tartarugas 
                           marinhas verdes 
                           - protegida 
                           por lei. A 
                           espécie 
                           de peixe mais 
                           comum é 
                           o Pufa (Balistes 
                           ssp) - nome 
                           derivado de 
                           Pufavor me 
                           pegue, muito 
                           voraz e come 
                           qualquer coisa. 
                           Um dos marinheiros 
                           colocou um 
                           pedaço 
                           de pão 
                           em uma cesta 
                           e a baixou 
                           ao mar. Um 
                           monte de Pufas 
                           entrou e ele 
                           içou. 
                           Ele pegou 
                           um deles, 
                           fez uns cortes 
                           com uma faca 
                           e jogou de 
                           volta ao mar. 
                           Os outros 
                           o devoraram 
                           em segundos! 
                           (ok, não 
                           precisa chamar 
                           o Greenpeace, 
                           eles não 
                           fazem isso 
                           o tempo todo)
                        Não 
                           levamos material 
                           de scuba, 
                           pois não 
                           haveria tempo 
                           para usá-lo. 
                           Fizemos um 
                           pouco de snorkel 
                           - mas a água 
                           era muito 
                           fria e conseguimos 
                           pouca coisa. 
                           Encontramos 
                           mais conchas 
                           na faixa de 
                           maré 
                           e na areia 
                           que coletamos 
                           usando uma 
                           draga manual 
                           no raso.
                        Como eu disse, 
                           o local tem 
                           paisagens 
                           fantásticas, 
                           mas é 
                           bem ter preparo 
                           físico 
                           para chegar 
                           aos locais. 
                           Tivemos que 
                           escalar encostas 
                           íngremes 
                           pisando em 
                           rocha vulcânica 
                           solta, mas 
                           valia a pena.
                        Eles tem um 
                           cemitério 
                           com algumas 
                           lápides 
                           - a maioria 
                           das covas 
                           está 
                           vazia pois 
                           nunca recuperaram 
                           os corpos. 
                           Antigamente 
                           o tempo de 
                           permanência 
                           era maior 
                           e os marinheiros 
                           sofriam com 
                           o isolamento. 
                           Alguns se 
                           suicidavam 
                           com tiros, 
                           outros se 
                           jogavam ao 
                           mar e serviam 
                           de comida 
                           aos tubarões.
                        Na manhã 
                           seguinte o 
                           helicóptero 
                           terminou de 
                           descarregar 
                           os mantimentos 
                           e os marinheiros 
                           que iriam 
                           ficar. E nos 
                           levou a bordo 
                           do navio para 
                           mais uma longa 
                           viagem de 
                           volta para 
                           casa. Três 
                           dias depois 
                           chegamos ao 
                           Rio.
                        Tiramos umas 
                           200 fotos, 
                           entre papel 
                           e slides. 
                           Se fosse hoje 
                           seriam pelo 
                           menos mil 
                           fotos digitais!